segunda-feira, 13 de março de 2017

Memórias: Campanha Além do Uruguai (Janeiro-Março 1817): Tenente Domingos José das Neves (Esq. Entre Rios)


Num conjunto de “documentos sem importância”, como o próprio documento do Arquivo Histórico do Itamaraty é denominado (cota AHI-REE-00944: “Rio da Prata: Documentos sem importância – 16 folhas, 1811-1818”) aparecem 3 folhas de uma "Relação" dada por um tenente Domingos, que tudo indica ser o tenente Domingos José das Neves, dos Esquadrões de Cavalaria Miliciana de Entre Rios [foi promovido a 12 de maio de 1815 de furriel do Regimento de Cavalaria Miliciana do Rio Pardo]*, da breve incursão além Uruguai do brigadeiro Francisco Chagas do Santos, entre 14 de janeiro e 13 de março de 1817, com o objetivo de eliminar a ameaça de uma segunda invasão federal das Missões Orientais.

* fonte: Arquivo Público do Rio Grande do Sul: Correspondências de José de Abreu, 1810-1825.

Segue-se a transcrição desta relação, com a ortografia modernizada, deixando em aberto algumas pequenas partes que não consegui interpretar devidamente, muito especialmente alguns elementos linguísticos regionalistas, cuja definição exata é difícil de fazer após 200 anos.

Quem o desejar, poderá consultar também o documento diretamente no Projeto Rede da Memória Virtual Brasileira, em URL . [no pdf, páginas 28 e sg.]

Esta peça memorialista encontra-se também no mesmo conjunto de 16 folhas onde está o diário militar do brigadeiro Joaquim de Oliveira Álvares, para o mês de Março de 1817: Leia aqui.

Foto ao topo: Tierra-misionera.JPG in: wikicommons: veja aqui

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Relação do que tem acontecido do outro lado do Uruguai dado pelo Tenente Domingos dos Esquadrões de Entre-Rios


[19.1.1817] Passou-se no passo abaixo da Cruz, primeiramente a partida do tenente Luiz de Carvalho, este foi atacado pelo capitão Vicente [Tiraparé, desertor] com a sua partida, e com pouco fogo fez afastar e pôs o passo franco para a passagem da coluna, a qual passou no mesmo dia, e no seguinte [20.1.1817] avançou ao Povo, estando-se retirando na noite antecedente o Artiguinhas [Andrés Guaçurarý y Artigas, comandante das Missões Ocidentais] com 300 homens achou-se tão somente no Povo dois padres velhos e 3 ou 4 famílias brancas; no outro dia [21.1.1817] fez marchar 300 e tantos homens comandados pelo Capitão [José Maria da] Gama [Lobo]  de Granadeiros do Regimento [de Infantaria] da Ilha de Santa Catarina em seguimento do dito Artiguinhas, o qual já não encontrou 6 léguas abaixo de Yapeyú [Japeju, no original], e não encontrando voltaram ao Povo de Yapeyú e depois de o saquearem o arrasaram [a]tacando fogo em tudo o que era coisa em circunferência do mesmo Povo, e retirando[-se] a reunir-se à coluna foram queimados e destruídos todos os arranchamentos que encontraram até onde alcançavam as partidas que exploravam o Campo, matando alguns garruchos que encontravam dispersos pelo Campo; [26.1.1817] depois de incorporadas com a coluna mandou o Brigadeiro [Francisco Chagas dos Santos] arrasar o Povo da Cruz com fogo tendo feito seguir o saque dos ditos dois povos, parte pelo rio, e parte pelas carretas que tinham levado, para o povo de S. Borja, e ele Brigadeiro marchou com a sua coluna pela costa do Uruguai em direitura ao Povo de S. Tomé botando de si partidas bastantemente longe para destruírem todo o edifício que encontrassem o que assim fizeram matando também algum garrucho que disperso topavam. 

No dia [31.1.1817] que chegou a S. Tomé se lhe apresentou o capitão comandante do povo D. Julião de tal com meia dúzia de moradores, e este capitão lhe entregou [as] chaves da igreja, e lhe deu notícia de dois caixões de prata que Artiguinhas tinha por ele Julião mandado depositar longe em uma capela [capilha, no original] que havia, e este sendo desde o princípio desta revolução apaixonado pelos portugueses meteu os dois caixões que só ele e dois indios sabiam e se foi em um capão de mato buscar e passar para o Povo de S. Borja aonde se acha em depósito com o saque que veio dos dois povos que só em prata destes 3 povos se avalia de 50 arrobas para cima, 20 e tantos finos, havendo 5 entre estes como o grande de Porto Al.e [Alegre], e daí seguindo-se para baixo gradualmente até o ponto de Campanas, depois de entrado o Brigadeiro no Povo de S. Tomé acampou a coluna dentro do dito Povo, e daí mandou ao tenente Luís Carvalho com uma partida sobre outra de garruchos que lhe deram parte e iam retirando com carreta e animais vacuums e cavalares, os quais o dito tenente encontrou; e depois de os destroçar escapando tal e qual com vida tomou uma carreta e 400 e tais animais mansos cavalares, e 150 e tantas reses mansas, isto e varas de leite e bois mansos, recolhendo-se com isto ao povo [1.2.1817 ?]: daí a 4 dias tornou a ir o dito Carvalho com 120 praças a bater uma partida que se estava juntando na costa do Paraná logo que seguiu a poucos dias encontrou uma partida de 30 garruchos mais ou menos a qual destroçou escapando desta 3 ou 4 com vida; daí seguiu a tomar uma porção de cavalhada que se achava em um rincão, a qual achou juntamente com 300 ou 400 reses mansas; depois seguiu a procurar a partida dos 300 garruchos a qual veio a  encontrar o dito Carvalho; este os bateu que logo imediatamente se puseram em fuga e seguindo parte destes se foram refugiar nas Guardas de Corrientes a quem o dito Carvalho pediu que lhos entregassem, e logo assim o fizeram e daí os mandou passar pelas armas ficando as ditas guardas muito amigas do dito Carvalho.

Juntando-se o saque que andou por 2000 e tantos cavalos mandos e mulas mansas, três carretas, duas carregadas de erva de mate, duzentas e tantas vacas mansas, e 150 bois mansos que tudo conduziu ao quartel de S. Tomé, cujo povo foi saqueado e tudo quanto se podia conduzir até de madeiras, e grande número de milheiros de tela se queimou e arrasou e se veio acampar o Brigadeiro com a coluna sobre a margem ocidental do Uruguai em frente ao passo de S. Borja. 

A tantos passou o comandante do Povo de S. Nicolau com 30 ou 40 homens ao lado ocidental do Uruguai e arrasando a guarda que aí se achava, a tomaram matando tão somente ou 2 ou 3 da dita guarda, e os mais se puseram em fuga os quais os nossos não seguiram por terem feito o avanço a pé, e depois que passaram os cavalos e montaram forão avançar ao Povo da Conceição sem acharem resistência alguma. Depois com ordem do Brigadeiro Chagas saquearam o Povo e [o] arrasaram; e os outros três povos: S. Maria, Marta e S. Carlos foram saqueados e arrasados a fogo, e tudo que era em circunferência de 6 léguas mais ou menos todo e qualquer edificio que se encontrava se fazia o mesmo.

Os paraguaios [paraguays, no original] logo que souberam que estava a campanha livre de inimigos, passaram duas companhias deles que se achavam sobre a margem ocidental do Paraná e se vieram meter dentro do povo de Candelaria, e logo fizeram um ofício ao Brigadeiro Chagas dando-lhe os parabéns pela sua boa felicidade, a qual muito estimavam. Tendo passado o Brigadeiro a este lado oriental do Uruguai ao povo de S. Borja, se demorou aí seis dias, e neste tempo tinha subido Artiguinhas que se achava no Passo do Rosário com 400 homens, e subindo para riba com a notícia do Carvalho que andava pela costa do Paraná e da destruição dos povos, fez suas proclamas [seus proclamas, no original] fazendo ver aos seus que era necessário juntar-se para punir-se e castigar-se os rebeldes portugueses, e seguindo juntamente pela costa da Miriñay [desmboca no Uruguai, com a foz do Quaraí a leste] logo que chegou na primeira guarda pertencente a Corrientes aí fez passar a uns poucos pelas armas, que o mesmo ia fazer a todas as guardas de cima por terem entregado a sua gente ao Luís Carvalho. 

Estas logo que souberam da vinda de Artiguinhas expediram um chasque ao Brigadeiro Chagas pedindo-lhe socorro; este consultando com os seus oficiais assentou em lhe mandar pedir 2000 cavalos para os poder ir socorrer por se achar a pé, cuja resolução não sei o seu resumo, por ter sido isto tratado na véspera da minha saída para este lugar; é o que na realidade sei.



N. B. No encontro da passagem de Luís Carvalho com o Capitão Vicente de Naturais este saiu baleado escapando de morrer por negar fogo a pistola do Tenente Luís Faiada (?) dos nossos Guaranis que este o seguiu pelo meio da rusma (?) dos garruchos a fim só de matar o dito Vicente, porém tendo a infelicidade da pistola lhe negar fogo por causa de um papel que tinha no fogão, dando volta ao seu cavalo meio rodou em um cupí e como estava muito longe da nossa gente e muito no centro da garruchada gritou logo o Vicente que o matassem com as lanças o que puseram em obra, porém o dito Faiada se pôs logo imediatamente a pé com a sua espada na mão e se defendeu das lanças até que chegou socorro da nossa gente, não deixando de ficar ferido de uma lançada na coxa a qual chegou a criar bicho(s) sem este dito tenente Faiada nunca querer dar-se por doente, e foi continuando sempre em todas as diligências que fez o tenente Luís Carvalho; nesta ação tomou-se um morteiro o qual traziam montado em um armão fincado em um cepo, o qual no primeiro tiro que fizeram saltou do dito armão pela boa segurança em que vinha pois era um armão feito por eles.

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